sábado, 18 de dezembro de 2010

Quando um dá um boi para entrar e o outro uma boiada pra sair

Estava calmo e tranquilo, falava manso. Ela com faca nos dentes, dentro da trincheira.
Quando uma mulher quer brigar, seja lá qual for o motivo que esteja endossando o ato, seja lá qual for o sentimento que esteja emprestando certeza, a conversa tende ir para o brejo.
E então dois bovinos tentam se entender. Os mugidos nada tem a dizer, revelam apenas diferenças. E a lida da conversa é pelos bretes tendo como destino o abatedouro.
É muito interessante pensar que o boi pacífico vai consciente para o sacrifício. Enquanto a vaqueira, com as esporas da verdade, acredita ter rédeas.
Ouvi dizer que égua xucra quando levada até o riacho não bebe água. Por quê?
O desejo dela é empacar.
Também cansei de ouvir que boi morto não sente. Mas aquele que dá a martelada sim. É o mesmo que acorda com remorso e dor de cabeça no outro dia.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

À Toa

Por quantos navios já me fiz rebocado...
Boas lembranças daqueles que segui sem cordas
Alguns me fizeram atravessar horizontes
Já outros me deram margens e águas rasas.
Alguns cortaram a corda no meio do caminho
Agradeço-lhes! Pude atracar-me na ilha, habitando o deserto.
Confundi muitas vezes toa com âncora,
E me vi navegar sem sair do lugar.
Porém sempre encantado pelos submarinos
Que revelavam na superfície seus passeios profundos
Mas logo mergulhavam novamente dizendo
Superfície demais dá enjôo!
Do náufrago é possível derivar e ser-me
Velejando por muito sal de saldade
Descobri no fim trágico o essencial:
Amar sem cordas.
Dois navios descobrem a beleza,
Quando juntos estão para simplesmente navegar

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Capela dos Ossos - Évora, Portugal.

Poema sobre a existência

Aonde vais, caminhante, acelerado?
Pára... não prossigas mais avante;
Negócio, não tens mais importante,
Do que este, à tua vista apresentado.

Recorda quantos desta vida tem passado,
Reflecte em que terás fim semelhante,
Que para meditar causa é bastante
Terem todos mais nisto parado.

Pondera, que influído d'essa sorte,
Entre negociações do mundo tantas,
Tão pouco consideras na morte;

Porém, se olhos aqui levantas,
Pára...porque em negócio deste porte,
Quanto mais tu parares, mais adiantas.

Soneto de Padre António da Ascensão Teles, pároco da freguesia de São Pedro entre 1845 e 1848.

Mortos-Vivos

Tudo o que se guarda azeda.
Pode ser a melhor torta,
Pode ser a melhor pessoa,
Vai azedar.
O luto é fundamental!
Aonde temos enterrado nossos mortos?
Disse o exorcista: Primeiro é preciso saber o nome do demônio.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Alagado

Jogue-me tua chuva
Eu por ser feito de azuleijos
Gosto ainda de me sentir escorrer
Seus pingos.
Muitos deles atravessam a cerâmica
Que rachada e com cantinhos de barro se fez
E a terra então por sua vez
Fica molhada

Só há flores se houver chuvas
Só há terra para em si chover
É no concreto que se faz enchentes!
É-se sorteado quando buracos escoam
A água que no fim é, senão apenas, de beber

Faz-se do fogo teu irmão
Sinta a chuva como esperança
E se em nuvens insiste fechar-se
Glória terá se em teu mesmo houver
Um pequeno céu

Se a ti me faço um girassol de cor
Tua chuva então será simples
Há de me continuar amarelo
E se por ti me encharcar
Deixe-me ao amanhã
Quando tua água já tiver sido minha
Eu haverei de florescer!

domingo, 11 de abril de 2010

Arefeito

Digamos que fomos feitos para respirar
Se respiro, ainda estou vivo
Se ainda cheiro o ar, ainda estou vivo
Já vi muitos defuntos respirando!
Acredito que tal respiração esteja mais para suspiro
Suspiro doce é bom para os que sentem gosto
Essa caixa de vai e vem de ar
Ah! Muitas velas haverão de ser apagadas
E o coração regula a intensidade do vento
Pulsa até o fim, vai para acabar
Então sou eu quem pensa?
Sou eu quem respira!
A brisa me respira.
Me respirou a ponto de me tirar o fôlego
Sonho sobre asas de fôlego nesse tempo de ar pesado
Não se respira no fundo do mar
Vê-se, apenas, a dança ancestral dos peixes
Quem é aquele que de longe vem me respirar?
Que espirra nas minhas escamas um fluído infantil?
A criança prende o ar enquanto o adulto pensa
Mansa calmaria se ambos respirassem juntos
Enquanto isso o serpentear da biruta
O estufar da vela
A leveza da borboleta
Brincam neste ar que respiro
Aí eu respiro...
Respiro...

Dual

Não se limite ao corpo.
beba do espírito.
Honre suas virtudes
não necessariamente exercendo-as
Mas a principio reconhecendo suas arestas
Caso contrário tentarás sempre
E de maneira ineficaz
Arrancar a febre com um bisturi

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Universo

Como dizer do mundo um abrigo
se às vezes ele faz o menor sentido
Pessoas vivem te julgando
por este burro e fascinante pedaço de papel
Quem comanda este universo?
ele acaba em uma história ou em um verso?
Uma caixa? Quatro paredes? Sem teto?
Gente de crenças e raças diferentes
um eterno tapete de parentes e dentes
que afiados infinitamente nos mordem
durante a vida...
Desejo pelo poder da conclusão
chegar a um certo padrão
de lógicas e católicas explícitas
A idade da vítima vida à uma eterna infinita
ou no final ter que voltar a fita
ao ano zero, onde tudo é certo e repleto
de coisas nunca vistas sempre escondidas
da nossa noção humana sobre criação
Sempre vivendo em vírgulas iremos
por nunca vermos o final depois da partida
Só imaginar o começo e o final dessa fita...

A Areia e a Vida

Qualquer chuva nos marca.
Qualquer tempestade nos deixa atordoados.
Os vendavais nos levam para muito longe
Sem saber para onde vamos, onde chegaremos
E nos forçam a esquecer o caminho de volta.
Quando nos unimos, formamos uma coisa linda e incrível
Para muitos não se passa de um deserto,
Seco e sem saída que, com pegadas desenha e alinha seus horizontes.
As pegadas, com o tempo desaparecem, podendo sempre surgir novos caminhos
E podendo deixar muitos, que seguramente as seguem, perdidos e desesperados.
Com certeza no meio de muitas dunas e montanhas de areia, muitos não acharam a saída,
Mas muitos que com fé traçam seus próprios caminhos,
Acharam um oásis, que com sombra e água fresca os espera.

Meu Enterro

Quando morrer, não quero ser velado numa sala com lajotas frias
Nem luzes brancas, nem vela
E sim a luz do dia

Não quero que me mandem flores também mortas em coroas
Nem que me vistam de terno
E digam que tudo o que fiz foram coisas boas

Não quero ser o amargo da comida desse dia
Nem ser o infinito segundo de uma memória fria

Não quero que apague meu nome da sua agenda
Nem que diga que a última ligação
Por mim foi feita

Não quero 1 minuto de silêncio
Quero barulho, quero música!
Ou melhor, as canções que eu gostava...

Abracem minha mãe e digam o quanto vocês gostavam de mim
Mesmo que seja uma mentira sincera
Não quero ouvir "meus pêsames"
Nem um olhar triste pra ela

Não quero ser o atestado
Nem o motivo da falta
Quero um dia ensolarado
Um sorriso plantando rosas

Se rezarem peçam pra vocês
Porque eu, com certeza estarei bem
Bem ao ponto de olhar para baixo
E fazer desse desencontro
Meu crescer

Que assim seja feita a sua vontade
Mas a minha também.

Sendo assim quando vocês sonharem comigo
Pensarem em mim
Vão lembrar da vida que eu vivi
E não do dia que eu morri
Amém!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Freetown

A liberdade não existe enquanto não houver desejo.

Os limites do mundo.

Os protocolos da vida.

As barreiras entre o tempo e o espaço.

A organização subjetiva dentro desse território chamado ficção humana.

O vazio no qual gravita todas coisas para as quais não se têm palavras.

O desejo do eterno retorno.

A insensatez daqueles que seguem desconhecendo.

O rio de afetos que transborda nas margens da existência.

O medo de ser, apenas ser.

Aquilo que chamamos de isto.

A coisa.

A seta do arco que há muito se disparou.

O olhar da arte, que encaminha o desatino para a beleza.

O nascer e o pôr do sol.

Tudo faz àquele que morre, esperar na vida.

Seguidores